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Uma reflexão sobre o Hatha Yoga - por Cathia Karin

Uma reflexão sobre o Hatha Yoga
por Cathia Karin Heuser

Para algumas pessoas yoga nada mais é do que asana, as posturas que costumeiramente vemos em revistas, na tv em vídeos, ilustrando matérias sobre yoga. Na verdade alguns vêem os asana com um certo desdém, outros acham que asana é essencial, e até mesmo algumas pessoas nem se questionam sobre a sua importância na prática, fazem porque alguem mandou ou acham bonito, querem ser como àqueles que aparecem nas capas das revistas e matérias sobre Yoga.

Mas porque uma técnica a primeira vista corporal está tão atrelada à uma disciplina que procura transcender o corpo?

Simplesmente porque temos corpo! Se não fosse necessário, porque então viríamos com este invólucro? poderíamos ser só energia, mente e essência, você já se fez está pergunta acima e refletiu sobre ela?

Dentro da cosmologia do Yoga existe purusha (o Eu) e prakriti (a matéria, natureza) com seus três gunas: tamas, rajas e sattwa.

O corpo que faz parte da prakriti (até a nossa mente é prakriti), é um dos invólucros do nosso ser, purusha. Um dos papéis dos asana é eliminar as perturbações físicas à mente para que se possa chegar ao contato com nossa essência individual e através dela nos unir à essência universal. Para que isso aconteça há um grande, tortuoso e transformador caminho a ser percorrido.

A prakriti está aí com todos os seus orgãos de ação, percepção e conhecimento, nos colocando um véu de ignorância que à princípio nos impede de ver quem realmente somos, nos impregnando de desejos, expectativas, memórias, e tudo o mais em um mundo cheio de distrações.

No sutra 18 cap.II dos Yoga Sutra Patañjali compôs: Prakasha kriya sthiti silam bhutendriyatmakam bhogapavargartham drsyam.

O que é visto na natureza dos gunas, prakasha (iluminação, corresponde ao guna sattva); kriya (atividade, corresponde ao guna rajas); sthiti (inércia, corresponde ao guna tamas); e consiste dos elementos (bhuta) e orgãos dos sentidos (indriya) tem o propósito (artham) de fornecer tanto as experiências (bhoga) quanto a libertação (apavarga) do Purusha (drisyam)

Diz ele aqui que, prakriti (na qual nosso intelecto/a mente/os sentidos/o corpo, estão inseridos) ser uma combinação de diferentes elementos e órgãos controlados pelos três gunas. A natureza (prakriti) está aqui para lhe dar experiência e no final corpreensão discernimento e desapego em relação a ela para lhe conduzir à libertação.

Mais à frente no sutra 23 cap.II: A união daquele que possui (Purusha) e do que é possuído (Prakriti) causa o reconhecimento da natureza e poderes de ambos, é necessário samyoga para que Purusha compreenda a si mesmo com ajuda da natureza.

Samyoga significa perfeita união, ou junção. Não significando aqui a união do Eu individual com o Eu mais elevado, mas a união de Purusha com Prakriti, o Eu e a natureza. A conexão entre ambos, permite que os conheçamos. Através da Prakriti, compreendemos que somos o Purusha. Assim o conhecimento da prakriti é necessário, e uma das formas de compreedê-la é através do conhecimento do corpo e das energia s que estão presentes nele. Através dos asana no Hatha Yoga, descobrimos uma conexão entre o corpo e a respiração, e destes dois com a mente, e de todos eles com a essência interior.

Então no sutra 46 cap.II Sthira sukham asanam. Asana é uma postura firme e confortável.

Necessitamos de um corpo saudável e livre de tensões. No momento que em sentarmos com tal corpo para meditar, nós o esquecemos, ele não se torna um obstáculo, nem com suas tensões, nem com seus desejos, distrações, efermidades. Para este fim existem muitas posturas encontradas nos diversos estilos de Hatha Yoga, que purificam os canais energéticos sutis (nadis), os órgãos internos, e trazem firmeza e flexibilidade.

Através dos asana, onde nos colocamos fisicamente em diferentes posições daquelas às quais estamos acostumados, a nossa mente necessita ficar mais atenta e presente e voltamos a atenção para o interior para perceber a ação de todo o corpo, a respiração, a atitude interior da mente, e como consequência com o passar do tempo vamos ainda mais para dentro, e encontramos a essência que os sábios falam que fica em nosso coração.

“Dentro desta cidade de Brahman, que é o corpo, existe o coração, dentro do coração existe uma pequena casa. Essa casa possui a forma de um lótus, e dentro dela mora aquilo que deve ser procurado, investigado, percebido. O sábio que tendo dominado a prakriti e seus gunas consegue penetrar diariamente neste santuário sagrado.” Chandogya Upanishad.

“O Eu é conhecido pelos puros de coração, está em seu coração, e é o mestre da sua vida e do seu corpo”. Mundaka Upanishad

Para atingir este estado precisamos de tranquilidade interior mesmo que fora a vida esteja bem agitada, dentro estamos atentos e tranqüilos, conectados com a nossa consciência testemunha.

Sutra 47 cap.II

Prayatna saithilyananta samapattibhyam. Pela diminuição (saithilya) da tendência natural à intranquilidade (prayatna) e pela meditação (samapattibhyam), sobre o infinito (ananta), temos o domínio da postura. Se o corpo permanecer assim na postura, será fácil conservar a mente tranquila.

Sutra 48 cap.II

Tato dvandvanabhighatah Consequentemente (tato), alguém jamais é perturbado (anabhighatah) pelas dualidades (dvandva). Se for uma postura firme e confortável, você então não será afetado pelas dualidades, pelos Kleshas (obstáculos), Nem pelo calor nem frio, nem elogio nem censura, nem lucro nem perda, nada o afetará. Você ficará neutro. Ficará acima das dualidades através das posturas assumidas, porque a mente estará sob seu seu controle.

“O Eu sutil dentro do corpo que vive e respira é percebido naquele estado de consciência puro onde não existe dualidade.” Mundaka Upanishad

O asana nos permite controlar e conectar com o corpo e abrirá com o tempo de prática regular os canais sutis (nadis) permitindo a expansão da energia vital (prana).

Outro aspecto importante dos asana de que fala Pattabhi Jois, é a purificação dos seis venenos que cercam o nosso coração espiritual e que devem ser purificados, são eles: desejo, raiva, ilusão, ambição, inveja e preguiça. Quando a prática é mantida com grande empenho e dedicação por um longo período de tempo (abhyasa), o calor gerado (tapas) por ela queima estes venenos e a luz da nossa natureza interior vem à tona.

Depois que o corpo é purificado, é possível purificar o sistema nervoso e então os órgãos dos sentidos. Esses primeiros passos são difíceis e necessitam de muitos anos de prática. Os órgãos dos sentidos estão sempre voltados para fora, e o corpo está sempre cedendo à preguiça. Contudo, através da disciplina e determinação, estes podem ser controlados.

“Os primeiros sinais de progresso no caminho do Yoga são a saúde, uma sensação de leveza física, uma tez límpida, uma bela voz, um odor agradável, e a libertação dos desejos.” Swetasvatara Upanishad

O Eu sutil dentro do corpo que vive e respira é percebido naquele estado de consciência puro onde não existe dualidade.

B. K. S. Iyengar no seu livro a Árvore do Yoga escreve que ao fazermos os asana, todos os oito níveis do ashtanga yoga de Patañjali, descritos no seu tratado de Yoga no sutra 29 cap II, estão envolvidos, do yama até o samadhi.

“Quando um asana é realizado corretamente, as dualidades entre corpo e mente, mente e alma desaparecem, isso é conhecido como repouso na permanência, reflexão durante a ação. Os asana devem ser executados de tal maneira que a mente consiga desprender-se do seu apego ao corpo e aos sentidos e assim se encaminhar até a luz da alma, para que o praticante possa então habitar nessa morada”

Os asana então purificam o corpo das toxinas físicas, emocionais e mentais, reequilibrando os gunas, trazendo resistência e flexibilidade, permitindo que nos libertemos das tensões, e colocando o corpo físico em cooperação com os outros corpos, para que juntos encontrem o repouso, a paz e a libertação dos estados condicionados.

Os meios adequados são tão importantes quanto o objetivo em si, assim esteja atento a sua atitude interior ao permanecer nos asana, perceba os seus desejos e aversões como se a prática fosse para você um espelho das suas atitudes na vida diária.

Praticantes avançados e mestres influentes do Yoga contemporâneo não vêem distinção entre Hatha Yoga e Raja Yoga, eles se valem da complementação destes dois para ter acesso ao Eu profundo. O Yogi conquista o corpo pela prática dos asana, tornando-se um veículo adequado para o Purusha. Cuida do corpo e da mente para realizar seu Dharma (missão de acordo com as leis que regem o universo).

Devemos desenvolver uma prática inteligente e com uma sequência planejada de asana que tenha objetivos definidos, deve ser mantida com regularidade, servindo de base e sustentação para algo mais elevado, observando o foco, a atitude interior e a disciplina.

Espero tê-lo ajudado a fazer uma reflexão sobre a sua prática de asana, fique atento, observe-se, estude-se, esteja presente em cada ação, na prática e na vida até que estas duas coisas não estejam mais separadas.

Procure estar consciente ao fazer os asana prestando atenção naquilo que te move, se é o ego ou se a prática vem de uma compreensão com a presença de viveka (discernimento) e vairagya (desapego).

Om Com nossos ouvidos possamos ouvir o que é bom. Com nossos olhos, contemplemos vossa integridade. Tranquilos no corpo, possamos nós, que vos veneramos, encontrar descanso. Om Paz Paz Paz.

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